Por Hermes C. Fernandes
Assistir a um corpo descendo à cova não é nada fácil. Mais impactante
ainda é assistir às cinzas de um corpo cremado sendo lançadas ao mar. O que
será desses corpos? Digo, dentro da perspectiva cristã.
O credo apostólico é claro quanto à crença cristã histórica na
ressurreição, tanto de Cristo, quanto de todos os homens. Nele se afirma que
Jesus Cristo foi “morto e sepultado; desceu ao Hades; ressurgiu dos mortos ao
terceiro dia; subiu ao céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso,
donde há de vir para julgar os vivos e os mortos .” Além de chancelar a crença “na
ressurreição do corpo (1) e na vida eterna.” Mas como isso se dará?
O que dizer de corpos que foram reduzidos a nada? Seus átomos se
espalharam pelo ar e hoje fazem parte de outros corpos e até de objetos
inanimados. Como reagrupá-los? Que Deus é onipotente, todos concordamos sem
titubear. Todavia, se um átomo que antes pertencia a um corpo, agora pertence a
outro, a qual deles ele se ajuntará na ressurreição? E no caso de um órgão que
tenha sido doado, em que corpo ressuscitará, no que doou ou no que recebeu?
Na fantasia de muitos, quando a última trombeta soar e Cristo surgir
entre as nuvens do céu, os túmulos se abrirão, e os corpos se levantarão
reanimados. Talvez uma leitura literal dos textos sagrados sugira isso. Porém,
devemos cuidar para que não tropecemos numa literalidade radical, e, assim,
exponhamos a autoridade bíblica ao desprezo de muitos desnecessariamente.
Obviamente que tal expectativa está embasada nas Escrituras, em pelo
menos dois dos seus textos. Um deles está em Ezequiel 37:12-13, onde lemos: “Portanto profetiza, e dize-lhes: Assim diz o
Senhor DEUS: Eis que eu abrirei os vossos sepulcros, e vos farei subir das
vossas sepulturas, ó povo meu, e vos trarei à terra de Israel. E sabereis que eu sou o Senhor,
quando eu abrir os vossos sepulcros, e vos fizer subir das vossas sepulturas, ó
povo meu.” Basta conferir o restante do texto para perceber seu caráter
alegórico, apontando para a ‘ressurreição’ de Israel como nação, e não a
ressurreição universal que ocorrerá no último dia. O outro texto é ainda mais
contundente. Nele, o próprio Cristo declara: “Não vos maravilheis disto; porque vem a
hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da
vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição da condenação”(João 5:28-29).
Repare que em momento algum Ele
diz que os mortos sairão dos seus respectivos sepulcros. O que é afirmado ali é
que aqueles cujos corpos estavam nos sepulcros naquele momento, um dia ouviriam
a sua voz e ressuscitariam.
Se devêssemos fazer uma leitura literal, como ressurgiriam os que não
houvessem sido sepultados? O que dizer dos que foram cremados? E os que foram
vítimas da explosão de uma bomba? E os que tiveram seus corpos lançados ao mar
e foram devorados por peixes? Estas questões demonstram o absurdo de se crer
que a ressurreição tenha a ver com a reanimação de corpos.
Outra coisa que acaba por confundir a muitos é o fato de que a Bíblia
garante que experimentaremos uma ressurreição semelhante a de Jesus. Ora, Ele
ressuscitou com o mesmo corpo, embora glorificado. Então, conclui-se que também
ressuscitaremos com os mesmos corpos. A base para tal conclusão está em
Filipenses 3:21, onde Paulo declara que Cristo “transformará o corpo da nossa humilhação, para
ser conforme ao corpo da sua glória, segundo o seu eficaz poder de até sujeitar
a si todas as coisas.” Mesmo que o
resultado seja o mesmo, o processo será diferente. Isto porque Jesus não viu a
corrupção, isto é, Seu corpo não chegou a decompor-se (At.2:31). Apesar de que
seremos ressuscitados pelo mesmo poder que O levantou dentre os mortos, recebendo
corpos igualmente incorruptíveis e glorificados, passaremos por um processo
diferente, pois nossos corpos terão sido decompostos.
Convém, ainda, salientar que, a Bíblia fala da ressurreição do "corpo" (soma), não da "carne" (sarx). Isso, porque "carne e sangue não podem herdar o reino de Deus; nem a corrupção herda a incorrupção"(1 Co.15:50). O corpo espiritual de que fala Paulo será tangível, material, mas não carnal, sujeito ao desgaste do tempo e à morte.
Convém, ainda, salientar que, a Bíblia fala da ressurreição do "corpo" (soma), não da "carne" (sarx). Isso, porque "carne e sangue não podem herdar o reino de Deus; nem a corrupção herda a incorrupção"(1 Co.15:50). O corpo espiritual de que fala Paulo será tangível, material, mas não carnal, sujeito ao desgaste do tempo e à morte.
Ora, se não sairão dos sepulcros, de onde virão os corpos dos
ressuscitados?
A resposta pode ser encontrada em
diversas passagens, porém, quero destacar duas.
Em Judas 1:14 lemos que Cristo
virá “com milhares de seus santos.” E
em 1 Tessalonicenses 4:14, Paulo diz que “aos
que em Jesus dormem, Deus os tonará a trazer com ele.”
Portanto, quando Cristo aparecer
em glória, os santos de todas as eras virão juntamente com Ele em seus corpos
glorificados.
Estes corpos não são a
continuidade dos atuais. Pelo menos, não para os que houverem morrido. Paulo
compara nosso corpo atual a uma tenda portátil, chamada ali de tabernáculo,
enquanto nosso corpo celestial seria um edifício, reservado no céu para nós. As moradas a que Jesus se refere como estando
sendo preparadas para nós não são mansões literais, mas nossos novos corpos.
Tão logo deixamos este corpo,
somos remetidos ao último dia, recebendo de imediato um corpo glorioso e
imperecível, de modo que, jamais viveremos sem um corpo. Leia atentamente e
confira se não é isso que Paulo nos garante:
“Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre
deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita
por mãos, eterna, nos céus. Pois neste tabernáculo nós gememos, desejando muito
ser revestidos da nossa habitação que é do céu, se é que, estando vestidos, não formos achados nus.
Porque, na verdade, nós, os que estamos neste
tabernáculo, gememos oprimidos, porque não queremos ser despidos, mas sim
revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida.”2 Coríntios 5:1-4
Provavelmente o texto mais
esclarecedor sobre o assunto, encontra-se na primeira epístola enviada por
Paulo a esta mesma igreja, no capítulo 15. Ali, ele oferece resposta a várias
questões relativas ao tema.
“Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos?
E com que corpo virão? Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer.
E, quando semeias, não semeias o corpo que há de
nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou de outra qualquer semente.
Mas Deus dá-lhe o corpo como quer, e a cada
semente o seu próprio corpo.” 1 Coríntios 15:35-38
Sem uma compreensão ampla, podemos deduzir precipitadamente que
Paulo estivesse afirmando que o novo corpo nada mais será do que a continuação
deste, e que, portanto, nosso corpo atual terá que deixar a sepultura ao
clangor da última trombeta.
Todavia, o que Paulo está dizendo é exatamente o oposto. “Quando semeias, não semeias o corpo que há
de nascer (...) Assim também a
ressurreição dentre os mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em
incorrupção. Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza,
ressuscitará com vigor. Semeia-se
corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também
corpo espiritual” (1
Co.15:42-44). Logo, o corpo que desce à sepultura não é o mesmo que se manifestará com Cristo em glória.
Apesar de espiritual, ainda
assim, será corpo. Não será uma fumacinha. Nem uma energia sutil. Mas, corpo
tangível, tal qual o do Cristo ressurreto, que não apenas pôde ser tocado por
Tomé e pelos demais discípulos, mas também processou alimento e conservou
várias das características físicas, inclusive as cicatrizes.
Mesmo que não seja exatamente o
mesmo corpo, creio que nosso corpo espiritual guardará várias de nossas
características físicas, sobretudo, as fisionômicas. É como se Deus guardasse
nos arquivos celestiais um backup com a sequência exata de nosso DNA, acrescido
do código de nossa consciência, que preservará intacta a memória de todas as
nossas experiências. Nada se perderá! A única coisa que será removida de nossa
natureza será o pecado, causador da morte. Seremos nós, nosso código genético,
nossa personalidade, nossa fisionomia, porém, aperfeiçoados, sem enfermidades
ou deformações, sejam de caráter físico ou psicológico. Talvez, apenas algumas
cicatrizes que serão como troféus, marcas de uma vida dedicada à causa do reino
de Deus e de Sua justiça.
E quanto aos que estiverem vivos
no momento em que Jesus Se manifestar em glória? Segundo Paulo, “num momento,
num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e
os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da
incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade”
(1 Co. 15:51-53).
Diferente de Jesus, cujo corpo não chegou a corromper-se, e daqueles que estiverem vivos no momento da parousia,
os que já houverem morrido, terão que receber um novo corpo. Essa
"tenda" é apenas o andaime que precisará ser removido para dar lugar ao
edifício glorioso que emergirá. De uma maneira ou de outra, quer
estejamos vivos ou mortos, o fato é que receberemos novos corpos, que, ao mesmo
tempo, será continuação do atual no que tange à morfologia (forma), e algo
totalmente novo no que tange à natureza.
Sem este novo corpo, jamais poderíamos viver no ambiente da eternidade,
composto do novo céu e da nova terra, que nada mais são do que os atuais
inteiramente restaurados à sua ordem original.
Fique tranquilo, que certamente
nos reconheceremos lá, mesmo com as eventuais correções em nossa
aparência.
Nossa personalidade, e, por conseguinte, nossa memória serão
preservadas. Nossa
história jamais será esquecida. Caso contrário, não seríamos nós, mas
outros. E não haveria qualquer razão para ações de graça. Como
agradecer por algo de que não temos qualquer lembrança? Como poderemos
louvar ao Cordeiro, senão nos lembrarmos dos nossos pecados que O
levaram à cruz?
(1) O credo original traz "ressurreição da carne" em vez de "ressurreição do corpo", todavia, as Escrituras usam o termo "carne" como eufemismo do ser humano como um todo, material e espiritual
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