Uma nova geração de pensadores ateus defende a tolerância religiosa e questiona a militância do biólogo Richard Dawkins e de seus seguidores. Em contrapartida, grupo de ateus impede que evento criacionista, com especialista dos EUA, se realize na Unicamp e dificulta o debate acadêmico.
EMBATE O arqueólogo Rodrigo Silva (à esq.), um dos palestrantes do evento cancelado, e o físico Leandro Tessler, que mobilizou acadêmicos contra o Fórum |
Um dos biólogos
mais brilhantes e influentes da atualidade trocou a ciência pelas
discussões religiosas. A maior parte de seu tempo é dedicada a escrever e
a falar sobre Deus. Seria apenas mais um caso de fanatismo religioso,
não fosse um fato: Richard Dawkins não tem religião. Britânico de 72
anos, autor de Deus, um delírio, ele é um dos mais célebres militantes
do ateísmo. Seu estilo aguerrido e suas críticas impiedosas a diversas
religiões, ocidentais e orientais, deram visibilidade aos ateus nos
últimos anos – e renderam um sem-número de críticas a sua intolerância.
Em agosto, uma frase sua sobre a pequena quantidade de muçulmanos
vencedores do Prêmio Nobel despertou indignação nos jornais e nas redes
sociais. Em resposta, o escritor Reza Aslan, muçulmano, afirmou que
Dawkins era “o pior tipo de fanático”. “Ele diz que nunca leu o Alcorão,
mas tem certeza de que o islã é a maior força do mal no mundo.”
A postura
agressiva e muitas vezes preconceituosa de Dawkins e de seus asseclas,
como o neurocientista americano Sam Harris ou o filósofo americano
Daniel Dennett, começa aos poucos a ceder espaço a um ateísmo de postura
mais tolerante. O filósofo britânico A.C. Grayling é um representante
dessa transição. Grayling está longe de ser um fã da religião. “O mundo
seria bem melhor se não acreditássemos em conto de fadas”, disse ele a
ÉPOCA. “A religião é simplesmente inconsistente com a modernidade.” Mas
suas obras são bem menos cáusticas que as de Dawkins. Em março,
Grayling lançou The god argument (O argumento divino, em tradução
livre). O livro apresenta argumentos filosóficos contra a existência de
Deus. Trata-se basicamente de um manifesto humanista. Mesmo acreditando
que a religião é prejudicial à humanidade, Grayling não gasta muita
energia em debates com religiosos. Em 2011, ele publicou The good book
(O livro bom), uma espécie de guia de vida para ateus. Em 608 páginas,
apresenta citações e conceitos de grandes pensadores, como Aristóteles,
Confúcio, Cícero, Isaac Newton e Charles Darwin, em capítulos e
versículos. Não bastasse isso, Grayling imita a estrutura bíblica. O
primeiro capítulo, sobre a origem do Universo de acordo com a ciência, é
o Gênesis – então seguido de Lamentações e Provérbios, e assim por
diante. Em vez de apenas criticar as religiões, os livros de Grayling
tentam construir alternativas a elas.
Um passo além
de Grayling estão os ateus que desejam dialogar com religiosos. Um
defensor da ideia é o americano Chris Stedman. Autor de blogs de
religião no jornal Washington Post, no site da emissora CNN e no site
Huffington Post, ele lançou em novembro do ano passado o livro Faitheist
(trocadilho com as palavras “ateu” e fé”, em inglês). Organizador da
comunidade de ateus e agnósticos da Universidade Harvard, Stedman afirma
que a diversidade de opiniões deve ser celebrada. “As pessoas fazem
coisas boas ou ruins com ou sem religião”, afirma. Para ele, os ateus
devem se organizar em comunidades para debater em pé de igualdade o
privilégio religioso em sociedades como a americana.
Mas sem incitar
qualquer tipo de rixa. “Uma verdadeira sociedade secular precisa de
pluralismo”, afirma. Para Stedman, os ateus e religiosos devem se
engajar em diálogos construtivos e pacientes. “É preciso identificar
valores em comum, porque a religião dificilmente sairá do mapa. A
cooperação é extremamente necessária num mundo em que as vozes
extremistas costumam afogar as outras”, diz. Stedman fala com
conhecimento de causa. Em suas próprias palavras, ele era um “católico
fundamentalista” antes de virar ateu.
O filósofo
suíço Alain de Botton é ainda mais conciliador que Stedman. “Tenho um
respeito profundo pela religião, apesar de não acreditar em seus
aspectos sobrenaturais”, disse Botton a ÉPOCA. “As grandes religiões são
enormes máquinas capazes de transmitir ideias sobre a bondade, a morte,
a família e a comunidade. Não há nada parecido com isso no mundo laico,
e isso é uma pena.” Em seu livro Religião para ateus (editora
Intrínseca), Botton se propõe a “roubar” das religiões ideias sobre como
viver. Uma de suas sugestões mais polêmicas é a construção de um templo
para ateus, no centro de Londres. Dawkins, é claro, detestou a ideia.
“Ateus não precisam de templos para buscar o sentido da vida”, disse ele
ao jornal britânicoThe Guardian. Botton, em resposta, afirmou que a
ideia era uma reação a Dawkins. “Por causa de Richard Dawkins, o ateísmo
tornou-se conhecido como uma força destrutiva”, diz. “Escrevo para
pessoas que não acreditam em Deus, mas, mesmo assim, reconhecem o lado
positivo da religião: os rituais, a arquitetura, a música e a conexão
com o passado.”
Nem todos os
ateus aderiram à postura mais tolerante defendida por Botton e Stedman.
Um exemplo é a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea). Ela
tem 10 mil membros e arrecada R$ 2 mil por mês. Apesar dos números
modestos, ganhou destaque ao organizar a primeira campanha publicitária
ateísta do país em Porto Alegre. Em julho, voltou às manchetes graças a
um protesto contra os gastos públicos relacionados à chegada do papa
Francisco ao Brasil. “É preciso ser enérgico. Quem não é engajado ignora
os males causados pela religião, como a ascensão da bancada evangélica
no Brasil”, diz Daniel Sottomaior, um dos fundadores da Atea. “Até
porque criar ativismo para depois ficar sentado não faz muito sentido.”
Nesse debate,
uma das vozes mais sensatas é de Peter Steinberger, professor de ciência
política do Reed College, em Portland, nos Estados Unidos. Steinberger
lançou em julho o livroThe problem with God: why atheists, true
believers, and even agnostics must all be wrong (O problema com Deus:
por que ateus, crentes e até agnósticos devem todos estar errados). O
livro defende uma tese antiga, mas esquecida no meio do debate religioso
iniciado por Dawkins: qualquer discussão relacionada à existência
divina é uma perda de tempo. “As religiões são incoerentes, mas Dawkins
também é incoerente por não ter uma prova definitiva da inexistência de
Deus”, diz. “Os novos ateus acham que a ciência atual é suficiente para
explicar o mundo, mas isso não é possível.” Se as discussões entre
religiosos e ateus se esvaziarem por falta de provas, como Steinberger
sugere, os ateus moderados estarão um passo à frente dos militantes:
terão sido os primeiros a abandonar um confronto inútil e a buscar
maneiras de coexistir com os religiosos. “Ser ateu é como não colecionar
selos”, diz Grayling. “É possível ser um ‘não colecionador de selos’
militante? Basta não colecionar selos.”
Revista Época confecciona tabela com os 10 mandamentos do bom ateu. Confira:
Deus fora da Unicamp
Marcado para a
quinta-feira 17, o “1° Fórum de Filosofia e Ciência das Origens”, na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi cancelado na véspera,
sob uma enxurrada de e-mails indignados de professores da própria
instituição de ensino, uma das mais respeitadas do País. O motivo? Os
cinco convidados a falar sobre filosofia e ciência eram nomes ligados ao
“criacionismo científico”, que nega a teoria da evolução de Charles
Darwin, mas, ainda assim, busca evidências científicas para desvendar o
universo – sem contradizer a existência de Deus ou os preceitos da
Bíblia. “Que façam isso numa igreja”, disse o professor de física
Leandro Tessler. “É embaraçoso dar credibilidade a esse tipo de doutrina
não científica.” Seu blog chamou a atenção de outros professores. A
pró-reitoria, que havia dado aval ao evento, recuou. O físico americano
Russell Humphreys, convidado internacional, já tinha passagem comprada.
Veio então a resposta dos palestrantes.“Fomos boicotados por um grupo de
professores ateus”, afirma o professor de arqueologia Rodrigo Silva, da
Universidade Adventista de São Paulo (Unasp). “Hoje, quem discorda de
Darwin é queimado na fogueira.”
Em nota
oficial, a Unicamp justificou o cancelamento dizendo que “faltavam
integrantes que pudessem debater o tema sob todos os pontos de vista”.
Além de Silva e Humphreys, o fórum também teria a presença de um
geólogo, um jornalista e um bioquímico, Marcos Eberlin, o único
pertencente aos quadros da Universidade. Após a polêmica, Eberlin
escreveu em um blog: “É interessante notar que, em uma universidade
pública, pessoas que se autointitulam ‘guardiões do saber’ cancelem
palestras”. Outro que reclamou à reitoria, o professor de matemática
Samuel Oliveira, negou a “orquestração” de um “lobby ateu” nos
bastidores. “Criacionistas não têm formação para falar de ciência”,
diz.
A “batalha da
fé” em uma faculdade como a Unicamp, reconhecida pela qualidade da
pesquisa científica, chama a atenção. Mas esse tipo de conflito não é
novidade no meio acadêmico. Em 2008, depois de uma série de reclamações,
a Universidade Federal de São Carlos (SP) cancelou uma palestra do
físico Adauto Lourenço sobre “criacionismo e teoria da evolução”. Em
2007, o bioquímico americano Fazale Rana esteve na mesma Unicamp para
falar de “design inteligente”, linha de pensamento que atribui a um
criador a existência da vida na Terra. Professores conseguiram retirar o
logo da universidade dos cartazes da palestra de Rana, mas não
impediram a conferência.
Com informações Revista Época / Isto É
Leia Mais em: http://www.genizahvirtual.com/2013/10/o-ateismo-paz-amor-e-um-exemplo-de.html#ixzz2kKeMsktl
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