Matéria publicada no Terra:
'Viado tinha de transar', revela preso em cela exclusiva para gays no PA
Filipe Faraon
“Nós cumprimos
duas sentenças aqui: uma imposta pelo juiz e outra imposta pelos
prisioneiros”. O relato de um presidiário homossexual publicado no
relatório O Brasil Atrás das Grades: Abusos Entre os Presos, da ONG
Human Rights Watch, em 1997, ainda é realidade nas casas penais
brasileiras. Há décadas, ter aparência delicada já traz riscos de abusos
em celas masculinas. Só há quatro anos os Estados começaram a tomar
atitude mais contundente contra isso.
Seguindo uma
tendência internacional de separação de detentos de acordo com o perfil,
o Pará se tornou o quinto Estado brasileiro a oferecer celas exclusivas
para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, grupo
conhecido como LGBT. A medida já havia sido adotada em Minas Gerais, em
2009, e, depois, no Rio Grande do Sul, Paraíba e Mato Grosso.
Há cerca de
dois meses, o Centro de Triagem Metropolitano 2 (CTM 2), no município de
Ananindeua, e o Centro de Recuperação do Coqueiro (CRC), em Belém,
passaram a setorizar presos de acordo com a orientação sexual. O
objetivo é diminuir conflitos e proteger homossexuais de qualquer forma
de violência.
Antes dessa
separação, o CTM 2 já tinha uma ala de idosos e doentes, no qual
eventualmente eram alocados homossexuais acusados de crimes
não-violentos. Isso fez com que Allison Parente Lima, 24 anos, que se
apresenta como Julye, tenha corrido menos riscos nos últimos 14 meses em
que está no local. Ela responde processo e aguarda julgamento por
tráfico de drogas.
Mesmo assim, a
cicatriz no seu antebraço direito mostra que o detento não esteve imune.
Antes da criação da cela LGBT, um preso "ficou afim” delq e fez de tudo
para ser transferido para a mesma ala, de presos idosos. “Ele conseguiu
e, um dia, ele ficou com ciúme porque me viu conversando com outro e me
atacou com um estoque de ferro, gritando que ‘viado’ tinha que
transar’”, conta a vítima.
Outro momento
de tensão foi quando Julye foi a uma audiência no município de Óbidos,
oeste paraense. Cerca de três horas em uma cela masculina foram
suficientes para a detenta temer um abuso. “Até o diretor foi lá e pediu
para os outros não mexerem comigo. Alguns me olhavam diferente, com um
olhar de quem quer sexo”, relata, aliviada por ter saído ilesa.
Conquistas
recentes fazem Julye aparentar bem diferente da maioria dos cerca de 250
presos do CTM 2. Ela pode manter os cabelos longos e lisos, em vez de
raspar a cabeça, e também usar sutiã. Além disso, são aceitas visitas
íntimas do mesmo sexo. Na hora de sair da cela, porém, é cobrada máxima
discrição; nada de roupas femininas.
Mas não é
necessário se vestir de mulher para ser alvo de discriminação. Acusado
de tráfico de pessoas, José Guedes Gomes, 25 anos, é o único dos quatro
homossexuais de sua cela que usa roupa masculina. Na mesma ala, há cerca
de 60 internos considerados menos perigosos - a maioria, evangélicos.
“Aqui a gente já não sente tanto o perigo de violência, porque é uma
parte mais tranquila do presídio. Só que a gente percebe o jeito que
olham julgando a gente; respeitam, mas não se misturam”, diz José
Guedes.
A setorização
da casa penal tem efeito positivo no trabalho da psicóloga do local,
Aina Rodrigues. Segundo ela, separar presos de acordo com o perfil
diminui conflitos. “Até diminui a demanda pelo meu trabalho e, em muitos
casos, evita que alguém em situação de agressão familiar, por exemplo,
se veja forçado por outros a entrar no crime”, explica a psicóloga.
A separação de
celas é uma reivindicação antiga do movimento homossexual, de acordo com
Raicarlos Coelho, um dos diretores da Associação de Gays, Lésbicas e
Transgêneres do Pará. O tema foi levantado na primeira Conferência GLBT
em Belém, em 2008, e só agora foi atendido.
“Não dá para
tratar igual pessoas tão diferentes, quando pode haver héteros tarados,
com a sexualidade reprimida. Essa política é boa e precisa ser
implementada nacionalmente”, afirma.
O tema, porém,
é visto como um mal necessário. Para Raicarlos, o certo seria a
convivência pacífica na mesma cela. “Espero que isso possa ocorrer no
futuro, mas hoje o resultado é catastrófico. Recebemos relatos de
violência só que em presídios essas coisas não costumam ser
denunciadas”, lamenta.
Contribuição do Hélio Pariz
Leia Mais em: http://www.genizahvirtual.com/2013/11/detentos-homossexuais-vao-para-ala.html#ixzz2kKy8Qe5O
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